domingo, 27 de março de 2011

Lagoas soterradas e dessacralização do teatro

Escrevi este texto para a abertura do Festival Arte e Teatro para todos que acontece em Alagoinhas.
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Nossa, quantas coisas faltam em Alagoinhas! O povo de Alagodeba só quer saber de bar. Existem apenas bares e igrejas nesta cidade, não é mesmo? Ando cansado dos discursos repetidos dos apreciadores da “cultura” Alagoinhense e, sinceramente, não quero ser mais um deles. Não falo mal de quem está no bar e entendo os fiéis na igreja. Agora, penso que se pudéssemos passear pelo bar e pela igreja ao mesmo tempo nossa vida seria mais interessante. Há outros espaços a percorrer.
 Começo a perceber o que mais me aflige enquanto artista e a partir daí mudo todo o meu modo de pensar a arte e de como agir nela.  Por que o teatro é melhor do que certos lugares? Será que ele é mesmo? Eu sei que estou no teatro, mas isso é bom para mim, porque seria para o outro? O que o teatro diz a ele? Sei que deves perguntar agora o que os outros espaços como bares e igrejas dão a eles, acredito que, no mínimo, uma fuga.  Temos a faca e o queijo na mão: o teatro é bar e igreja ao mesmo tempo. Foge, foge, mulher maravilha, lá no centro de cultura tem lugar para você se esconder.
Gerald Thomas disse, em 2009, que iria parar de fazer teatro, por que “não faz mesmo sentido entreter um pequeno número de pessoas presas em cadeiras, vendo "miragens" no palco. Essa mentirinha está mal contada. E eu parei de contá-la.”[1] A indústria trouxe a ideia de massificação e repetição muito forte e tudo, exatamente tudo, seguiu esta filosofia barata de produtividade. Será mesmo? O teatro está tão inútil assim? Se for assim, eu vou parar também. Gerald Thomas voltou para o teatro. Ainda há o que salvar.
Esse texto está recheado de nãos: O primeiro, é que não acho que Alagoinhas tem um processo artístico-cultural menos revolucionário hoje do que dos artistas que fizeram e aconteceram nesta cidade no período da ditadura militar. Bargh. Lascado falando de lascado. Revolução muda definitivamente um espaço e isso não foi o que aconteceu por aqui, mas a nostalgia sempre será positiva...
Não consigo estabelecer comparações entre a minha geração e passadas, pois não acredito na história e sei que daqui a alguns anos os livros vão mostrar o quão rica foi a passagem do século XX para o XXI. Crise do capitalismo, ascensão de negros e homossexuais, derrubada de poderes no ocidente, mulher na presidência do Brasil e tantos e outros fatos que são dignos das páginas indeléveis da ficção oficial aparecerão pintando a nossa geração.  Ontem foi ontem e hoje é hoje. E o teatro no meio disso tudo? Morrer, ele não morreu. Ele está vivinho da Silva, tossindo, escarrando sangue. Ele nem se aposentou, insiste em trabalhar.
Acredito no que faço, mas penso 24 horas em como faço. Não desejo ser um autor-autista que em um palco sozinho faz teatro, apresentando para as cadeiras seu maravilhoso discurso político e sua estética experimental após não sei quantos meses numa sala de ensaio. Mas também não quero ser simplista no meu modo de agir teatralmente, tampouco virar apenas algo comercializável com tantas coisas vistas por aí. Transformo o palco em meu altar, mas o deus aqui é mais próximo do homem, é divino e profano.
Alagoinhas tem teatro. Mas falta algo? É claro que falta, sempre vai faltar. Assim como falta comida limpa em alguns bares, assim como falta Deus em algumas igrejas, sempre há o que faltar. Pra começar, sinto falta de ousadia. Não ousadia no sentindo de experimentar outras coisas (é claro que isso também), mas no sentido de encarar uma estrutura fuleira como a dos artistas de Alagoinhas como se fosse um espetáculo patrocinado pela Petrobrás.  Sinto vontade de me dedicar integralmente. Isso é teatro para mim: um abismo.  Lá, só quem se joga conhece a “dor e a delícia” de estar neste espaço. Só quem reconhece a arte de transgredir em suor e leitura nas práticas mais abusivas do teatro sabe o quanto é necessário ser dele, se dedicar a ele, viver em função dele. O teatro é possessivo, exige seu sangue – mas como é bom me ferir por ele –, é a relação mais sado que já tive na vida. Alagoinhas e seus artistas precisam de mais dor. E, é claro, de muito mais festa, felicidade e arte.
O teatro não pode ganhar o mesmo destino das lagoas de Alagoinhas.  O problema é que ele não deve simplesmente ser a coisa para fazer quando dá. Os artistas Alagoinhenses sobrevivem e fazem sem a qualidade técnica necessária, sem a experimentação, sem a maturidade – pois quando os atores fazem 18 ou 20 anos vão virar gente e entrar em alguma profissão de verdade para falar que um dia fizeram teatro – por que o teatro não dá para ser a primeira coisa a ser feita do dia (e eu não estou falando de escovar os dentes e tomar café da manhã). Aí, ciumento que só, ele também desconta por não ter dado a importância necessária a ele. Castigo de Baco.
Agora, desta vez, sinto que o teatro começa a se ver enquanto sujeito grande, ou vai ou racha. Ou a coisa é encarada de vez ou vamos parar tudo para ficarmos apenas com o que já tem. Profissão, Daniel? Ator. Depois disso vem o estudante, o professor, o filho e o que mais tem de vir.  Chega de fingir que falta arte por aqui, de mostrar o ostracismo presente nas nossas tão inquietas vidas com a arte local, de dizer que nada funciona aqui, chega de mentir. As coisas acontecem e agora é que acontecerão mesmo. Por que se há alguém decidido a transformar o teatro, e somente ele, em forma de vida, esse alguém está escrevendo este texto agora. E como um dono de bar ou um pastor ele se junta aos bêbados e fiéis para erguer o seu templo: um palco – ora bar, ora igreja.
Não dá para brincar mais e os artistas – aqueles que já colocaram este termo na frente dos outros – já sabem disso. Atitudes como o Festival arte e teatro para todos, promovido pelo BAC, o espetáculo Eróticos (provocador na cidade) do teatro Quanta, as apresentações em terreiros de candomblé do Shirê obá da Cia de Teatro Nata, a criação do primeiro grupo de teatro infanto-juvenil na cidade de Alagoinhas – O grão, leituras dramáticas mensais feitas pelo projeto A OCA Lê com diversos artistas do teatro baiano, escolas de danças multiplicarem-se na cidade e a criação de um coletivo de artistas no Centro de Cultura de Alagoinhas mostram que a primeira década do século XXI começa a organizar um novo tempo por aqui.  A virtude não está no meio. É no meio que tudo se desgraça e sujeitos fazem a cabeça dos outros. Para mim, o melhor lugar é do quase extremo, não é o da queda no precipício, mas o da metade dos pés na ponta do abismo. E é para ele que o teatro daqui tem de ir. Se não der certo, não deu. Aliás, o que é dar certo?  Ainda falta? Falta, mas se a fala de Giles Deleuze e Félix Guattari estiver coerente, nossas pequenas grandes ações estão provocando uma revolução no fazer teatral. Não, não começamos isso. Artistas desde o início da história da cidade lutam para uma cultura de apreciação das artes cênicas, do jeito de cada época e cada geração, mas lutam.
O projeto de continuidade está ganhando cada vez mais força. E agora, amigos, força. Por que o movimento decisivo está perto. Acredito neste teatro feito aqui e enxergo a necessidade de mais. Mas enquanto seu lobo não vem... levemos Maomé para os bares, esquinas, escolas, igrejas, casas, rua. É preciso ver mais, fazer mais e mostrar mais. Com quem? Com quem realmente quiser. Parar? Vou não. Quero não. Posso não.
Daniel Arcades

sábado, 19 de março de 2011

quinta-feira, 17 de março de 2011

MásCaras - Carta II


MásCaras

CARTA II

                Não venha. Ao contrário de você, o meu futuro ainda será. Você lembra a música que colocava no som do seu carro toda vez que se despedia de mim?
                Close your eyes and I'll kiss you/ Tomorrow I'll miss you/ Remember I'll always be true /And then while I'm away/ I'll write home everyday/ And I'll send all my loving to you.
                É, eu lembro. E lembro que o seu antigo amor te deu o primeiro beijo ao som dos Beatles. Deve ter sido esta música, com certeza. Quer saber o que acho, Fieda? Ainda existe futuro pra você. Sempre foi o seu passado.
                Aliás, venha. Quando vieres não estarei mais aqui. Deixe a chave que fica contigo sobre a mesa da sala e depois vá. Precisamos nos apagar. Eu só fui um intervalo para algo que te fez mal e sempre quisestes que fosse teu bem.
                Sem mágoas. Sem dores. Não mentes para mim quando diz do seu amor, mas há uma mentira entre a sua mente e o seu coração.
Amós

sexta-feira, 11 de março de 2011

O Inferno da paz

CENA I

                Escuro total. De repente, aparecem dois focos de luz no chão (de um modo que não seja possível a visão do cenário ao fundo) em cima deles, dois garotos de short, mochila nas costas e camiseta de estudante. Olhares no horizonte, parados. A primeira cena não é dinâmica. Totalmente parada, séria, sem muitos movimentos de gesticulação. Valorizar a expressão facial.

Marcelo: E agora, o que é que vai ser da minha vida?
Pedro: E agora, o que é que vai ser da minha vida?
Marcelo: Ué, você também não sabe?
Pedro: Não.
Marcelo: E o que é que vai ser da nossa vida?
Pedro: Não sei.

                Param e continuam olhando para o horizonte, tentando imaginar como seria a sua vida no futuro. A cena fica certo tempo em silêncio.

Marcelo: Um dia eu vou morrer.
Pedro: Eu também.
Marcelo: E se eu morrer amanhã?
Pedro: E se eu morrer amanhã?

                Param, se olham, mas ambos tem medo do olhar do outro, voltam ao horizonte.

Marcelo: Marcelo.
Pedro: Pedro.
Marcelo: 19 anos.
Pedro: 17 anos.
Marcelo: 17?
Pedro: 17.
Marcelo: E já pensa na morte?
Pedro: 19?
Marcelo: 19.
Pedro: E já pensa na morte?

                Se olham novamente e riem levemente.

Marcelo: Eu estou sozinho.
Pedro: Eu também.
Marcelo: Cheguei há pouco tempo.
Pedro: Eu também.
Marcelo: Eu preciso de amigos.
Pedro: Eu também.
Marcelo: Como é que a gente faz pra se conhecer?
Pedro: sei lá. Vai que os dias passem e o destino nos promova isso. Enquanto isso,  vou procurar uma amizade.
Marcelo: É, né? Então Tchau.
Pedro: Tchau.

                Black-out. Música urbana, buzinas, apito de guarda, tiros... Despertador.